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Anotei na Agenda : Meu querido diário


Hoje, mais um dia perdido num mês qualquer, eu acordei com o ouvido sustenido e o rosto maldisposto pra escrever qualquer texto entupido de alegria supervalorizada, cheio de metonímias pras pessoas entenderem um cheiro, uma dor, uma mulher triste. Eu tô tão cansado dessa estrada com a lei que eu mesmo construí pra mostrar que o cotidiano tem algum sentido. Eu tô tão cansado de defender o amor que as pessoas não vivem só pra ter assunto
Confesso - sem vergonha nenhuma da vaidade que me cabe tão bem - que a vista aqui do alto é deslumbrante. O ruim é que insisto tanto em olhar pra baixo. Minha vertigem - eufemismo pra enjoo - desse gosto denso e amargo de vitória manca tem me rendido boas e messiânicas olheiras.

Quanta sabedoria vejo nesses olhos, me falta dizerem. Me peça um conselho e eu vomitarei no seu coração.

Cansei de respirar boca a boca em tantos personagens na ambição vã de dar vida e nobreza aos sentimentos que as pessoas insistem em enforcar, abortar ou chutar todos os dias. Cansei de sorrir amarelo e fingir que o mundo me importa e sufocar no osso a vontade de mandar às favas as pessoas e seus erros e suas carências e suas manipulações e suas opiniões e suas mentiras e suas idiossincrasias. Pra ser sincero e gentil.

Eu não sei como fazê-lo voltar, não sei por que os homens traem, como conquistar uma mulher. Eu só sei viver do jeito que dá, sem purpurina ou close de final de filme. Se você soubesse que eu broxo. Se você soubesse que cada texto é uma crítica em falsete pra cada erro meu. Se você 

soubesse que eu tenho uma cueca vermelha. Se você soubesse que eu acordo todo dia doendo pra trocar o refil do pulmão. Se você soubesse o quanto eu sou egoísta. Se você soubesse do pouco que me importo comigo mesmo. Se você soubesse que sou um cavalo que deixou o príncipe cair no caminho.

Eu tô tão cansado e tão sem assunto que, por um triz, não uso uma frase do Vinícius de Moraes entre linhas pra levantar geral. Eu tô tão cansado das pessoas acharem que um texto e um charuto na boca é uma grande revelação, uma prestação de contas, algo que eu não soube dizer, a epifania que vai afogar suas mágoas que já aprenderam a nadar de peito.

Eu tô cansado de agradar todo mundo em troca de uma coisa que eu não sei o que é, mas não paga meu desodorante de catálogo.

Sabe, meu computador parece feito de criptonita, minha capa vermelha anda meio murcha e me sinto incapaz de sobrevoar o céu cor-de-rosa em busca de mocinhas pra salvar. Mas faça-me um favor. Continue acreditando nas pessoas, no amor, em “caras como eu”, no Vinícius de Moraes e volte aqui amanhã se não for pedir muito. Prometo fazer o mesmo.


Gabito Nunes


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